sábado, 18 de setembro de 2010

Saudade

S e ontem uma pessoa chegasse pra mim e dissesse que estava triste pela morte do seu animalzinho de estimação, eu certamente riria, debocharia, faria pouco da situação, porque na real é isso que as pessoas fazem. Elas não se importam muito com a morte de um ente querido do próximo (que é uma pessoa!), quem dirá de um animal.

Acho que só mesmo quando você perde um bichinho que você viu nascer, crescer, que fez cocô no seu tapete, que incomodou, que ficou doente e sarou, que te divertiu, que te fez rir e te fez chorar, é que realmente você entende. Não há muito pra se entender, parece mais um conhecimento muito vago e sem definição... mas que dói muito.

Há 12 anos atrás fui num vizinho com meu pai. A cachorra dele tinha dado cria, e eram da raça Boxer, simplesmente lindos. Entretanto, um daqueles filhotes não saiu bem Boxer (rsrs). Era uma cadelinha, toda pintada, parecia um tigrinho, com o fuço comprido, diferente dos demais. “–É aquela!” eu disse.

Logo que ela chegou aqui em casa, se enfiou em baixo da mesa do telefone. Claro, assustada, dormia aqui dentro. Pra não levarem ela pra fora, eu me levantava mais cedo que todo mundo e trocava os jornais, limpava as necessidades da bichinha, varria os pêlos e voltava pra cama. Tudo pra que parece que aquela era a cadela dos sonhos.

Eu e minha mãe acordávamos pra assistir Bambuluá e comer biscoitos de gengibre. A nossa nova guardiã do lar vinha muito calma. Ela não era do tipo que bagunçava e fazia confusão, muito pelo contrário. Sentava conosco no sofá e comia os biscoitinhos de gengibre, assistindo muito atenta ao seriado da Angélica. Era hilário ver.

Não demorou muito e mesmo assim ela foi pra fora. A pior decisão que os meus pais poderiam tomar. Ela chorava a noite inteira. Dormir era quase impossível, toda a vez que ela ficava em silêncio e a ressonância batia cartão... maisss uivos!!! E eram uivoss muito desesperados, misturados com latidos e gemeria. Uma sinfonia canina!

Os dias foram passando e a cachorrinha já conseguia dormir sozinha lá fora. Mas precisava de um nome. Foi muito difícil escolher. Meus pais poderiam não compreender bem, e eu acho que a maioria das pessoas também não compreendem, mas o nome que a gente escolhe pro nosso animalzinho de estimação é importantíssimo. É através dele que o bichinho vai saber que o estamos chamando, e pra toda a vida dele! Não muito diferente dos seres humanos, mas temos o poder de escolher por qual nome queremos ser chamados (eu de Y.K. por exemplo), mas não os animais. Eles vão acatar e obedecer esse registro durante toda a vida deles. Então por causa da pelagem dela, que mais parecia um tigrinho, nós a chamamos de Tigreza. Carinhosamente, apelidei-a de TiTi.

Todas as pessoas que conviviam conosco conheciam a TiTi. Ela era amada por toda a vizinhança. Nunca ela revirou um lixo, nunca invadiu a casa de ninguém, também nunca rosnou e nem mordeu nenhuma pessoa que passava na rua (ou que entrasse aqui). Ela andava por todo o bairro, dormia na calçada de qualquer vizinho, e nenhum deles se importava. Quando viajávamos, não precisávamos incubir ninguém da tarefa de alimenta-la e fornecer água, pois todos os vizinhos faziam isso por conta própria, pois era um bichinho de ouro!

Depois de anos, passei a sair por conta própria. Adivinha quem me seguia?!

Às vezes eu estava na metade do caminho e tinha que voltar tuuudooo de novo pra trazer a TiTi pra casa. Quando eu não queria correr o risco dela vir atrás, eu dizia “não vem TiTi, não vem!!!” e ela ficava com as orelhinhas baixinhas, envergonhada, e eu passava a mão na cabeça dela pra mostrar que eu não tava bravo, só não precisava de uma guarda-costas naquele momento. E ela ficava no muro, cuidando... Ansiosa pelo meu retorno. Fizesse chuva, fizesse frio, geasse, amanhecesse um calor de 40ºC, lá estava a TiTi atrás de mim, fiel, dedicada, andando com suas passadinhas elegantes.

Ela era única! Ainda não acredito que quando eu voltar pra casa não vou ter mais aquela recepção calorosa, que nem a minha família poderia me proporcionar. Não vou ter mais aquela amiga fiel, que me amava de verdade, porque queria, e não por dever. Confiava em mim... e eu nela. Confiava mais nela do que em qualquer ser humano. Era a única que jamais me trairia, jamais mentiria, jamais fingiria. Todos os sentimentos, todas as festinhas, todo o brilho nos olhos dela eram 100% sinceros. Me arrependo de nunca ter pensado em tudo isso enquanto ela estava viva, e de não ter dado tanto valor quanto dou agora.

Quando vão morrer, os gatos fogem de casa. O dono não merece ver aquela criaturinha que tanto amava, deitada, sem-vida, pesada, como se não fosse de verdade. Os cães não têm essa linha de raciocínio. Mas eu prefiro acreditar que eles não vão embora pois não conseguem abandonar o dono. O dono poderia abandonar o seu animal, mas nunca o contrário. No fim é isso que nos torna humanamente diferente do resto: a incapacidade de amar incondicionalmente. Quando o sol começar a se pôr e a luz a bater na porta da frente, a sombra dela deitada, se coçando, não vai mais aparecer. O reflexo da minha Mocinha também não vai mais iluminar a sala. Mas eu não tenho a menor dúvida, de que ela vai pra sempre iluminar o meu coração, e vai continuar viva na minha lembrança e na de todas as pessoas que conviviam com ela. Pode até parecer bobo pra quem lê, mas é necessário admitir, que podemos sofrer mais a morte de um animal puro e sem maldade, do que a de uma pessoa, que por natureza, é humana.

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